E lá vem mais um Natal…

Natal pra mim nunca foi um momento mágico, nunca acreditei em Papai Noel. Desde pequena sempre fui muito realista, o que impediu que eu vivesse uma fantasia. Fantasias são importantes para nos tirar um pouco da realidade, e levantar os nossos pés do chão, assim acredito, mas para mim não foi possível.

Basicamente, no contexto da minha infância, Natal significava uma oportunidade de comer uma carne diferente e tomar refrigerante. Meu pai comprava um engradado ou meio (a depender dos recursos existentes) de “tubaína”. Geralmente o refrigerante era para consumir nos dias 25 de dezembro e 1 de janeiro. Não tinha noite natalina, não tinha coral, não tinha presépio, não tinha árvore de natal, não tinha sino. Ah, e não tinha neve, pois era um calor típico do mês de Dezembro de todos os anos no Brasil.

A nossa família formava um núcleo de 5 pessoas: pai, mãe e 3 filhos. Não tinha avô, nem avó, nem tios. Alguns poucos natais, meus pais resolveram passar com a família de uma tia que morava num distrito. Minha tia teve muitos filhos, portanto a casa era bem cheia. Os natais na casa da tia tinham algo diferente do nosso: bebida alcoólica.

Não sei se não íamos para sua casa de ônibus por não termos dinheiro ou se o transporte não existia. Só sei que íamos à pé. Saíamos cedo de casa e andávamos passando por plantações e carreadores até chegarmos ao destino. Passávamos o dia lá e a tarde fazíamos o mesmo percurso de volta.

Na maioria desses natais eu já tinha idade para me lembrar das histórias, mas, sei que meu cérebro bloqueou algumas delas. Talvez uma estratégia para que eu não sofresse muito. Lá na casa da tia também não tinha luxo, mas tinha bastante comida que alguns primos ignoravam, pois já haviam bebido muito. E então se juntavam para competir a atenção dos demais.

Um rádio ligado dava recados para os ouvintes: “Sandra, a dona Maria falou que você pode passar o natal na casa dela, favor levar 1 frango!”… Eu sempre fui muito observadora e meus olhinhos de criança passavam por tudo e todos.

Um dia a volta foi mais demorada. Junto com uma prima e seu marido bêbado (tropeçando pelo caminho) fazíamos o trajeto de volta, quando chegamos em uma pinguela. Devo dizer que esse foi um momento que eu bloqueei, e sei apenas o que me contam:

Eu estava no pescoço do meu pai. Pinguela é pinguela, uma ponte improvisada com paus e um cabo de aço. À medida que se pisa a estrutura balança dando a impressão de que vamos cair. Minha irmã travou, meu pai se irou, minha mãe tentava a mediação entre alguém com medo e alguém muito bravo. Eu não sei como foi que conseguimos, mas cá estamos sem maiores problemas.

Até hoje não tenho muitas expectativas com relação ao Natal. Talvez por ter vivido experiências de não ganhar presentes, de não ter família em volta de uma mesa sem se preocupar com o caminho de volta, sem enfeites e sem um dia especial.

Os dias de lutas têm mais significado para mim. Ver meu pai chegar cansado da eira, do canavial, da pedreira… Deitar no chão de casa e desmaiar por alguns minutos, após abrir sua marmita vazia e suja. Até hoje sinto o cheiro da sua roupa encharcada de suor.

Os dias de luta em casa com minha mãe e irmã começavam com glória em um devocional. Minha mãe fazia questão. Depois eram a lavada de roupas no tanque, almoço, limpar a casa e fazer a zeladoria da igreja, que nós tentávamos ajudar, limpando os bancos do templo. Era uma permuta. Não pagávamos pela moradia e em troca éramos responsáveis pela limpeza da pequena Igreja.

Meus melhores dias eram na Biblioteca da Cidade. Eu, leitora voraz, aprendia com os autores e mergulhava em histórias infanto-juvenis. Era o meu local preferido, a Biblioteca, onde eu saía da realidade e elaborava construções saudáveis para o meu cotidiano.

Eu cresci e mais um natal vem vindo. Penso nas crianças que ainda esperam pelo Natal para tomarem um refrigerante ou comerem algo diferente, ou por aquelas que atravessam pinguelas para se juntar com alguém.

Penso nas famílias com seus bêbados, comemorando não-sei-o-que e trançando as pernas, fazendo gracinhas e constrangendo suas mulheres e filhos.

Penso nos pais bravos, que entendem que sua braveza e opinião salvam a família. E penso nas crianças paralisadas pelo medo ou apenas bloqueando aquele evento. Eu fiz parte disso, e posso dizer que já passou. Não tenho apego pelo Natal – por sua data comemorativa, mas tenho alegria porque ele simboliza o nascimento da maior estrela e da maior liberdade que podemos experimentar: a felicidade sem o efeito do álcool, o suprimento das nossas necessidades, a certeza de que não estamos sós e a esperança de que nossa vida aqui é passageira- um dia celebraremos o Natal todos os dias. Com festa, com banquete e sem pinguelas….

Aproveitando, leia também “A magia do Natal“.

Nos encoraje deixando um comentário!