Correr ou ficar: histórias de violências e a certeza da paz

Diz o ditado que pra tudo tem uma primeira vez. A minha primeira experiência com a violência foi ainda na pré-escola. Meti-me numa confusão infantil e precisei correr do menino que, com apenas 6 anos, já resolvia as coisas no braço. Ele já havia batido em um “amiguinho” com um soco no rosto, e agora, para defender sua “namoradinha” corria atrás de mim.

Eu era muito inocente. Na minha cabeça dos 6 anos não havia segredos, mentiras ou desafetos. Tudo era muito limpo. Antes de correr daquele que queria me bater, tive meu primeiro contato com a dissimulação. A tal namoradinha falou algo que não queria que eu dissesse, mas não me avisou sobre isso. Disse que jamais falou tal coisa. E, eu precisei correr.

Magrinha, cabelos soltos, camiseta branca e saia azul pregueada, corri. Corri como nunca. A lancheira batia na minha perna e quando pensava estar vencendo, olho na minha frente e um outro “amiguinho” jazia com os braços abertos para me segurar. A criançada gritava eufórica e eu sem muita saída olhei para trás para saber o quanto de espaço ainda tinha e esqueci-me do amiguinho da frente, pois, naquele momento eu trombava nele com tanta velocidade que ele caiu, e eu passei por cima, até hoje não sei como.violencia e paz

O menino que acertava as contas a seu modo, era filho de uma professora. Tinha um certo status e andava sempre bem vestido. No decorrer dos anos, ele ficou para trás, não só naquela corrida, como também nos estudos. Nunca mais eu soube dele, mas a situação me marcou, e como!

Há poucos dias, entrei em uma confusão de estudantes, frente à minha casa. O bullying e a provocação vinha de um grupo à uma menina sozinha e aparentemente frágil. Ao ser ameaçada, correu para perto de mim. Pensei: a situação continua a mesma. Crianças pequenas e adolescentes ainda passam pela violência, algumas com êxito como foi meu caso, mas outras com marcas profundas, inclusive fisicamente.

Diariamente lido com crianças feridas. As histórias são as mais variadas. Violência em casa, no quarto, na sala, na cozinha, no quintal, na rua… Violências provocadas pelas pessoas que deveriam estar desempenhando um papel de proteção. A dissimulação, a mentira e o segredo estão presentes num ambiente onde há agressão. O medo, o desespero e um silêncio assustador, também.

Trabalhar com isso exige um envolvimento para além do profissional. Exige coragem, exige uma imersão no cotidiano do ferido, na busca por alívio, por cura, por resiliência e por superação.

Há os que correm, como eu corri. E há os que paralisam. Há momentos em que estamos fortes pra correr, e há aqueles que entramos em choque. Paralisamos. Também já passei por muitas outras situações em que paralisei.

A violência se estende, assume formas inimagináveis. Assusta, assombra, destrói.

Na busca da paz, hoje tem se trabalhado com várias estratégias para se vencer a violência: florais, justiça restaurativa, terapias de grupo, individual e tantas outras formas. Todas são muito válidas, pois o problema da violência está dentro das pessoas. A forma como agimos e reagimos, defendemos e atacamos está permeada de violência.

Jesus enfrentou a violência. Antes de nascer, dentro do útero de Maria já enfrentava preconceitos. Ainda pequeno foi ameaçado por Herodes. A presença de Jesus colocava em cheque todo um império repleto de violências.

Porém antes de ir-se, Jesus disse: “Deixo-vos a paz. A minha paz vos dou. Não a dou como o mundo a dá. Não se turbe o coração, nem se atemorize.

Precisamos mais do que uma cultura da paz. Precisamos da paz que excede todo o entendimento. Da paz que guarda os nossos sentimentos, nossas lembranças e nossas cicatrizes. Da paz que nos faz olhar para trás e enxergar um rastro de proteção, seja nas pernas que corriam, nas palavras não ditas, nos suspiros longos, dos sorrisos em forma de resposta, e nas lágrimas que insistem em queimar o rosto.

“Eu disse essas coisas para que em mim vocês tenham paz. Neste mundo vocês terão aflições; contudo, tenham ânimo! Eu venci o mundo”.
João 16:33

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